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Numa época em que a identidade de gênero está sendo debatida, especialista e entrevistados refletem sobre mudanças na masculinidade 

O presidente da França, Emmanuel Macron, que dissolveu o parlamento para evitar a vitória da extrema direita, é, na opinião do professor aposentado Demóstenes Silveira, de 84 anos, um exemplo de “homem maravilhoso”. Bem mais novo e já casado, o servente de construção civil Alex Ferreira, de 22 anos, tem experiência suficiente para perceber que, “na real, a mulher trabalha ainda mais do que o homem”. “Ser homem é essa luta aí, maior estresse, acordar cedo todo dia e não sobrar nem um pouco de dinheiro pra nada. Mas também não queria ser mulher não, prefiro ter dez empregos do que aquele tanto de emprego dentro da casa, que não acaba nunca…”, completa Alex.


Para o comerciante José Socorro, de 65 anos, ser homem tem a ver com um “compromisso com a família, filhos, esposa”. Já o empresário Ricardo Veríssimo, de 37 anos, utiliza a palavra “responsabilidade”. “Sempre fui cercado de mulheres, vou ser pai, e, para mim, ser homem está ligado a proteção, cuidado, segurança e confiança. É um papel que a gente precisa desempenhar. Na sociedade atual, temos a responsabilidade de mudar o machismo que vem desde antigamente. Temos que estar abertos a essas mudanças, aceitá-las e respeitá-las”, analisa Ricardo. O também empresário Samuel Tavares, de 33 anos, vai pela mesma linha, e aprofunda a questão.

“Não é difícil ser homem, porque homem é cheio de privilégios. Todo mundo que tem um pouquinho mais de estudo sabe que o mundo é machista, e, logo, temos privilégios que as mulheres não têm. Por exemplo, eu não tenho medo de andar sozinho, na rua, principalmente à noite. Toda mulher tem. Esse é um dos principais pontos. Não me sinto especial por ser homem, é normal. Fui criado numa casa com muitas mulheres”, declara Samuel. Psicanalista e professor de filosofia, Eduardo Leonel, de 42 anos, reflete sobre as transformações contemporâneas. “As conquistas e reivindicações das mulheres têm feito com que nós, homens, repensemos o que é ser homem”, afirma ele.

Para Eduardo, também é necessário pensar sobre as “discussões de gênero”. “Hoje, não se fala só no homem hetero, temos homens trans, cis, homossexuais. Tudo isso tem feito a gente repensar, e acredito que é fundamental para que estejamos de acordo comé essas mudanças que as discussões de gênero têm proporcionado para a nossa sociedade. Ser homem, para mim, é estar atento, repensando e refletindo tudo que essas discussões proporcionam”, sublinha o psicanalista, que coloca, como entrave para os avanços sociais e civilizatórios, o fato de “as tradições e os tabus ainda serem bastante fortes”. Nesta segunda, 15 de julho, comemora-se o Dia Nacional do Homem.

Criação do Dia Nacional do Homem

Foi por uma espécie de galhofa que a Ordem Nacional dos Escritores criou, em 1992, o Dia do Homem, sem o intuito de uma ilegítima equiparação com o Dia Internacional da Mulher e seu histórico de lutas. Mas a data acabou pegando, e há quem acredite que até inspirou o Dia Internacional do Homem, celebrado a partir de 1999, em novembro. O psiquiatra Bruno Brandão afirma que a data é uma oportunidade “para pensar novos conceitos de masculinidade”. “O conceito tradicional, que promove a força física, valentia, agressividade, que diz que o homem não pode chorar, expressar seus sentimentos, ficar triste, já está ultrapassado”, salienta Brandão.

Ele invoca estudos que associam o chamado “silêncio emocional” a uma série de problemas psiquiátricos, “aumentando o risco de depressão e suicídio”. “A gente sabe que os homens, de uma maneira geral, têm uma tendência a evitar procurar ajuda, principalmente na esfera emocional. Então, a gente mudar esse conceito de masculinidade tradicional pode tornar as relações mais flexíveis e saudáveis para todos os envolvidos”, aposta o psiquiatra. “O homem chora, sim, porque ele é humano, e, como tal, tem emoções e sentimentos”, complementa, ecoando a famosa canção de Gonzaguinha, lançada por Fagner, em 1983, e intitulada “Um Homem Também Chora”.

Desigualdade de gênero na ordem do dia

Outro ponto levantado por Brandão é o fato de a masculinidade tradicional “perpetuar a desigualdade de gênero”. “Ou seja, aquelas normas rígidas do patriarcado, em que o homem predomina, sente-se superior à mulher. E, quando a gente fala sobre pessoas não binárias, essa concepção arcaica contribui de forma considerável para a violência de gênero, a discriminação no local de trabalho, enfim”, enumera o psiquiatra, para quem, “promover novos conceitos de masculinidade é essencial para diminuir essa opressão e criar uma sociedade mais igualitária e tolerante”. Nesse sentido, ele recorre ao conceito de “masculinidade fluida”, algo que o compositor Gilberto Gil prenunciava em 1979, com a música “Superhomem, a Canção”.

Logo nos primeiros versos, o baiano canta: “Um dia vivi a ilusão de que ser homem bastaria/ Que o mundo masculino tudo me daria/ Do que eu quisesse ter/ Que nada, minha porção mulher que até então se resguardara/ É a porção melhor que trago em mim agora/ É o que me faz viver”. Algo parecido com o que Pepeu Gomes entoaria quatro anos depois, em “Masculino e Feminino”: “Ser um homem feminino/ Não fere o meu lado masculino”. Brandão sustenta que “essa ideia desafia a lógica de que a masculinidade é uma característica fixa e imutável”. “Muito pelo contrário, ela reconhece que a identidade de gênero é complexa, pode evoluir ao longo da vida”, diz.

Enxergar o problema para superá-lo

Na opinião do psiquiatra Bruno Brandão, é preciso reconhecer que existe uma masculinidade tóxica para conseguir modificá-la. “Essa dicotomia de que o homem é forte, dominante, emocionalmente reservado, enquanto a mulher deve ser submissa, deve ser cuidada e necessita de apoio emocional do homem, favorece a dominação masculina que leva a graus de violência que conhecemos”, pondera ele. “Essa ideia vem de gerações, e, felizmente, estamos quebrando esse paradigma, mas não podemos fingir que ele não existe, porque é como se fosse chancelado pela sociedade de forma velada”, analisa Brandão.

Essa “chancela” teria enraizado, de tal forma, o machismo na sociedade, que, inclusive, “muitas mulheres aderiram a ele”, acreditando que devem, sim, “obediência e submissão aos homens”. Brandão garante que “o conhecimento é libertador”. “A gente vive muito no automático: ‘isso é certo, isso é errado’. Somos seres julgadores por natureza, mas as pessoas são diferentes. Precisamos reconhecer isso para trabalhar a tolerância à diversidade, abrir a escuta para as experiências de homens trans, por exemplo, e, mesmo que a gente não concorde, que saibamos respeitá-los”, conclui Brandão, para quem, “apesar do desafio ser grande, vale a pena levantar esse debate”.

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