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A Universidade de Brasília (UnB) afirma no Artigo 3o do seu estatuto que “são finalidades essenciais da Universidade de Brasília o ensino, a pesquisa e a extensão, integrados na formação de cidadãos qualificados para o exercício profissional e empenhados na busca de soluções democráticas para os problemas nacionais”.

Atendendo ao chamado de sua missão fundadora, nós, docentes da área de Saúde Coletiva, efetivos e aposentados, oriundos de distintas faculdades, institutos e departamentos da UnB,  constituímos um coletivo, sem vinculações partidárias, cujo objetivo é analisar regularmente, de forma cientificamente fundamentada, a conjuntura nacional e local no que se refere à situação de saúde da população e ao planejamento e gestão do Sistema Único de Saúde (SUS), considerando os aspectos socioculturais e econômicos envolvidos, buscando propor junto com a sociedade civil, encaminhamentos para solução de problemas. Orientamo-nos, para isso, por princípios expressos no Artigo 4o do estatuto da UnB tais como: “compromisso com a democracia social, cultural, política e econômica; compromisso com o desenvolvimento cultural, artístico, científico, tecnológico e socioeconômico do país; compromisso com a paz, com a defesa dos direitos humanos e com a preservação do meio ambiente”, em sintonia com o preâmbulo da Carta Magna brasileira, quando a mesma dispõe sobre um “Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias”.

Desde que a pandemia de COVID-19 se transformou no cenário sanitário global mais desafiador em um século, nunca antes, na era das sociedades de massa, uma questão sanitária ganhou tão absoluta centralidade e prioridade entre as preocupações sociais. O caráter de alta propagação por contágio direto colocou em xeque todas as formas de presença, de troca, de reunião, de aglomeração, voluntárias ou determinadas. A pandemia atingiu por completo todas as relações sociais, das familiares às laborais, das associativas às comunitárias, das sistêmicas às individuais. Esse momento demonstrou ao Brasil e ao mundo o quanto sistemas públicos e universais de saúde são estratégicos para a obtenção de bons indicadores de saúde na população e, em particular, para a gestão da pandemia e quanto um Estado alicerçado em instituições democráticas sólidas e dirigido ao bem comum é fundamental para o enfrentamento das crises socioeconômicas a ela associadas.

O SUS, mesmo sendo um sistema de implantação muito tardia quando comparado a outras experiências internacionais, é fruto do processo de democratização, de sentido cívico de missão civilizatória, de muita luta, de muito empenho e inteligência, obtendo-se no mesmo um grau de eficiência desproporcionalmente superior ao investimento financeiro efetivado, como comprovaram os indicadores de saúde da população brasileira, fenômeno muitas vezes reconhecido em publicações e editoriais de importantes periódicos científicos internacionais.

Infelizmente, foi no contexto da pandemia em que o Estado é convocado como instituição nacional estratégica para seu enfrentamento e redução dos impactos sanitários e socioeconômicos associados, que o Brasil teve a infelicidade de ser conduzido pelo mais limitado, errático e perverso governo em toda a história do País. Incapaz de pensamento plural e democrático, governando apenas para seus familiares e apaniguados, militarizando a administração, tal governo abusa de reducionismos  conceituais, negacionismo e arroubos autoritários de inspiração totalitária. Criou em seus círculos de poder um ambiente tóxico à inteligência nacional, agressivo ao saber científico, à arte e à cultura, excludente aos talentos necessários à formulação de escolhas públicas mais estratégicas. Restaram-lhe as negociatas com os grupos de “parlamentares de ganho”, fundamentalistas cristãos e hordas de grupos de interesses elitistas, operadores pouco esclarecidos do agronegócio, além de segmentos mal informados da população, que apelam para a violência na cidade e no campo como tentativa de expressão e manutenção dos seus poderes, com consequente e crescente rejeição popular.

No Ministério da Saúde foram demitidos sequencialmente três titulares, nem todos necessariamente qualificados, além de diversos técnicos em posições de comando, que buscavam adotar medidas em acordo com os consensos científicos internacionais e recomendações da OMS. Entregou-se a gestão do Ministério a personagens pertencentes à intercessão dos mundos da iniciativa privada empresarial, da corporação médica e das forças armadas, todos alheios à formação em gestão pública da Saúde Coletiva.

O governo impediu, ainda, a divulgação de dados nacionais de infecção, morte e oferta assistencial, indispensáveis ao planejamento em saúde, atitude que levou à formação substitutiva de consórcio de órgãos não oficiais de imprensa para colhê-los junto às secretarias estaduais e só então divulga-los à sociedade. Apesar das indiscutíveis evidências científicas de ineficácia do uso precoce de medicamentos como cloroquina e ivermectina, bem como dos riscos à saúde de quem os usassem indiscriminadamente, a recomendação de uso precoce, dizendo-o preventivo, foi oficializada no site do Ministério da Saúde e pelo próprio marketing direto e exótico do Presidente da República, quando simultaneamente se autorizou um gasto de mais de 1,5 milhões de reais para a produção de cloroquina no laboratório do Exército Brasileiro, segundo noticiado nacionalmente.

Toda estrutura robusta de Atenção Primária à Saúde do SUS potencializada pela capilaridade das mais de 43 mil Equipes de Saúde da Família por todo território nacional foi ignorada como estrutura ideal para vigilância epidemiológica na detecção precoce de doentes e seus contatos, orientação sobre cuidados, isolamento e distanciamento com vistas ao bloqueio da transmissão. Foi negada à APS insumos para a testagem em massa, rastreamento e acompanhamento dos casos; e, ao complexo industrial da saúde nacional, incentivos para produzi-los. A falta de exames contrasta com o encalhe em Guarulhos de exames do tipo RT-PCR importados, com risco de perda, atualmente, de cerca de 3 milhões de testes, por falta de insumos (cotonetes e reagentes) e equipamentos na rede de laboratórios. Adquiridos por 42 reais a unidade, o prejuízo atual é de 126 milhões de reais aos cofres públicos e 900 milhões a preços de mercado, pois na rede privada, o exame custa de 290 a 400 reais. Os casos de COVID-19 desacompanhados e agravados são lançados às portas dos hospitais, tornando a crise assistencial inescapável. Nesse nível, novamente se repete o atual amadorismo e falta de planejamento de compras do Ministério da Saúde no provimento de medicamentos do kits de entubação, sem contar a dramática situação da  omissão da pasta na questão do oxigênio em Manaus.

Mesmo com tudo isso, chegou-se ao absurdo do governo federal entrar na Justiça para impedir que governadores e prefeitos decretassem lockdowns em seus territórios de gestão. Exatamente quando o país, com 3% da população mundial passou a representar mais de 30% das mortes no mundo por COVID-19, ultrapassou a casa das 300 mil mortes, passou a ver circular variantes virais mais contagiosas que levaram ao aumento simultâneo e abrupto da ocupação dos leitos do sistema de saúde, esgotando rapidamente os recursos assistenciais que, em colapso e desassistências, tem feito com que 40 % das mortes sejam de pacientes que não conseguiram acesso à assistência adequada.

Mas grave ainda foi a atuação do governo no sentido de impedir ou retardar a vacinação da população. Além de uma morosidade e protelação injustificáveis no início das negociações para a compra das vacinas e desenvolvimento de plano de vacinação, o Governo tentou derrubar integralmente a medida provisória aprovada na Câmara de Deputados e Senado que estabelecia a obrigatoriedade do governo brasileiro vacinar toda a população brasileira. Vetou o artigo que exigia a elaboração de listas públicas que permitiriam à sociedade saber quantas vacinas são compradas e produzidas e seus critérios de distribuição pelo território nacional. Não satisfeito, vetou ainda o artigo que permitia aos governos estaduais comprar diretamente as vacinas aos fornecedores.  Finalmente, os parlamentares de sua base governista apoiaram maciçamente a autorização da compra privada de vacinas por empresários, deixando claro a quem serve esse governo, e o que ele deseja em relação à saúde do povo brasileiro.

Por tudo isso, e pelo que certamente ainda virá, nós, que fazemos parte de um Coletivo de Professoras e Professores da Saúde Coletiva da UnB (CPSC-UnB) denunciamos a negação ou desconsideração dos conhecimentos gerados pelas Ciências da Saúde na justificação das ações governamentais e expressamos profundo pesar pelas mais de três centenas de milhares de vidas perdidas e os profundos sofrimentos desnecessários associados. Contudo, não nos limitaremos a lamentar a realidade; ao contrário, buscaremos produzir dados, análises de conjuntura e reflexões de fundo científico e bioético sobre essas ações, nas esferas nacional e local. Buscaremos ainda atuar junto às instituições e movimentos históricos da sociedade civil organizada em defesa da saúde coletiva no Brasil e do SUS, tais como ABRASCO, CEBES, NESP, FIOCRUZ, CONASS, CONASEMS, Instituições de Ensino Superior em Saúde Coletiva, entre outros. O eixo de nossa atuação será a defesa intransigente da democracia e do princípio constitucional brasileiro que anuncia a saúde como um direito de todos e um dever do Estado.

 
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